Mudaram as estações, e tudo mudou

O primeiro post nos primeiros dias de outono.


Lembro muito bem de outono passado. Eu me mudava de Porto Alegre para passar um período indeterminado na minha cidade natal, Erechim. Saia da capital com uma mochila, poucos pertences e demasiados questionamentos dentro da cabeça. Minha razão dizia que não era para eu ir. Porque isso seria regredir. De vida. Mas meu coração me afirmava o contrário e eu deveria seguir para frente e para trás. Então eu parti com um único objetivo: me curar.

Quando você assume que precisa ser curado, assume que tem de fato uma doença, seja ela qual for. A minha doença nunca tinha sido assumida antes, apesar de estar ali durante toda minha adolescência, me corroendo dia após dia. A minha doença tinha uma natureza tão vergonhosa, eu pensava, que não deveria ser exposta. Ela deveria permanecer muda, envolvendo minha mente numa auto destruição diária. Para ser sincera, eu nem pensava na minha doença enquanto uma doença. Era algo que eu não queria encarar e que simplesmente estava ali. Muito dentro de meu ser. Até que uns sintomas começaram a surgir. E aí ficou difícil escondê-la. Eram dores de estômago, problemas de intestino, intolerâncias alimentares...e eu fui diagnosticada com uma tal de síndrome do intestino irritável.

Hum. Era essa mesmo minha doença? Não podia ser somente isso. Eu sabia que era mais profunda. Que ia além de uma desordem funcional do cólon. Eu sabia que tinha haver com minha alma, com pedaços dentro de mim inexplorados, desconhecidos e muito sombrios. O que não resolvemos na mente, nosso corpo transforma em enfermidade.

O que eu tinha, hoje posso dizer com toda certeza, era falta de amor próprio. Os sintomas apareciam na forma de compulsões alimentares e diálogos conturbados com os alimentos, que iniciaram fortemente na minha pré-adolescencia e tiveram períodos bem tensos e outros muito leves. A indústria alimentar me pegou para valer. O pó branco vulgo açucar era um vício diabólico e para mim se manifestava em pacotes de bolachas de chocolate Bono. Quando eu estava bem comigo mesmo, conseguia lidar tranquilamente com a compulsão. De repente, vinha uma onda de ansiedade, podia ser de um dia, um mês, um fim de semana, não importa, sei que vinha com tudo. Comer sem ter fim. Abrir a geladeira milhares de vezes. Correr ao mercado e comprar qualquer porcaria. Empurrar comida garganta abaixo. Chegar de madrugada e atacar a cozinha. Só pensar na próxima refeição. Satisfazer um prazer infinito.   

Para tornar a coisa pior, nos períodos mais tensos, bebia muito alcool, fumava (uma carteira de Malboros Red per day) e fazia poucos exercícios. Eu gostava de folhas verdes,granola, pão integral, verduras, todas essas coisas que dizem ser "naturais", só que todos os outros hábitos que tinha não compensavam. Ainda por cima, eu era vegetariana. Era como um boicote! "Você passou a noite toda em claro fumando, mas você come açaí na tigela e é vegetariana, então está tudo bem". Eu era o tipo de vegetariano que para de comer carnes e se acaba no carboidrato, no queijo ou nos doces. Depois, tive que cortar a lactose por um tempo, pois descobri intolerância ao leite e daí sim que me acabava nos carbos.  

Eu tinha vergonha. Afinal, o que os outros iriam pensar? Vivemos em um mundo que se importa demasiadamente com a opinião do outro. Cresci nesse mundo ai. Só que era minha vida que estava em jogo. Eu tinha que assumir e mandar um f***** para qualquer pré-julgamento ao meu redor. Fui de peito aberto. Busquei primeiramente uma conexão com meu eu espiritual. Sabia que as doenças vinham de emoções, de energias guardadas, de uma mente que fala demais. Passei a frequentar centros e grupos espirituais, tomar florais, ler sobre vida, Deus, morte, karma, espírito. Numa dessas vivências tive um insight. A pergunta soprou no meu ouvido "Você se ama de verdade Júlia?". A resposta veio lá de dentro. "Talvez não o suficiente".

Assim, meu ponto de partida de todo o processo de cura foi simples e único: como me amar antes de mais nada

Mas não bastava apenas meditar, refletir sobre o amor ou ler livros de poesia. Eu tinha que ser prática, do contrário não haveriam resultados. Outono passado fui a uma nutricionista. Lembro que tive vergonha de assumir que queria perder peso, falei que estava lá por causa da síndrome do intestino irritável. Já havia perdido alguns kilos de dezembro de 2012 a março de 2013. Vamos a alguns números para tornar claro. Havia chegado a 85 kg em 2012, pesados com profunda tristeza em uma balança de farmácia. No outono passado eu estava com 76kg. Meu índice de porcentagem de gordura era ainda de 30,2%. Meu joelho esquerdo estava atrofiado e desgastado por me carregar pra lá e pra cá. Eu tenho 1,66 de altura e um arquétipo de corpo pequeno. Ops, temos um sobrepeso ai que se chama-se pré-obesidade. Suficiente para que o diálogo com meu corpo não fosse bacana. 

Mais importante do que emagrecer loucamente, para parecer com a Bella Falconi ou qualquer musa fitness, era entender de que forma poderia relacionar com os alimentos e conversar com meu corpo físico. Perder peso era a meta. Então dei a largada. Abracei os meus sintomas e aceitei minha "doença". Não bati o pé. Não teimei. Deixei que aquilo fluisse pelo meu corpo. Mergulhei no lado mais sombrio do meu ser. Chorei, senti dores, lutei como uma guerreira dentro de um corpo que precisava se curar. Assim fui vivendo 2013. Enquanto o Brasil virava de cabeça pra baixo, os movimentos sociais explodiam para todos os lados, a rua e as redes se conectavam, meus amigos iam para o bar, eu estava travando uma guerra de dentro pra fora de meu ser. Eu tomava suco desintoxicante todas as manhãs, contava calorias a cada refeição, olhava para o prato e respirava fundo, aprendia a cozinhar, meditava, me acabava correndo, quase destruia o saco de pancada do boxe, orava a todo segundo para passar por esse processo com força, foco e fé.

Mudei meus hábitos. Percorri um caminho sem atalhos. Perdi ao todo quase 30 kilos! 30 kilos de fardos que envolviam meu ser. Busquei o autoconhecimento. Aprendi a me ouvir. A ter paciência e determinação. Confiei mais em mim mesma. Hoje estou com 16% de porcentagem de gordura. Nível excelente. Me superei. Nunca mais pus um cigarrito na boca. Bebo socialmente e ocasionalmente. E a compulsão alimentar? Aprendi a canalizar ela de outras formas e assim acalmar meu coração. A corrida me ajuda muito, cada km uma conquista de liberdade. Fui buscando conversar com meu corpo, torná-lo autônomo, independente e vívido.


Confesso que até eu me assusto. As duas fotos a direita são do meu ápice de 85kgs. Tive um corpo fantasma durante algum tempo vivendo junto comigo.
Pergunto, o que é ser saudável? O que é essa tal de #healthylifestyle que tanto falam nas redes sociais? É perder 30 kilos? Estar de dieta? Tomar suco verde todos os dias? Ir a academia? Comer frango com batata doce? Ser vegano? Abominar batatas-fritas? Concerteza não é somente um elemento e sim um conjunto. Tem haver com uma harmonia própria que cada indivíduo deve descobrir, pois somos únicos em nossa existência e possuimos equilíbrios distintos. A minha dieta pode não funcionar para você, afinal temos biotipo, cultura, mentalidades diferentes. Além disso, tem haver com descobrir novas formas de se viver, pois somos ensinados a seguir um modelo esgotado de vida, envolvido pelas cidades, pelos carros, pelos prédios, pelos sistemas de agricultura, de saúde publica, entre outros, que carecem de sustentabilidade. Arrisco-me a dizer que é um tipo de vida quase morta. 

Ser saudável para mim é sorrir, é se amar, é ter gratidão. É acordar todos os dias e buscar por qualidade de vida. É celebrar. É ter compaixão pelo próximo. É respeitar seus limites e seus espaços. É ter humildade para abraçar suas sombras. É ter consciência das desigualdades que nos cercam e generosidade suficiente para fazer as mudanças que estão a nosso alcance. É irradiar felicidade. Ser feliz não é destino final, é caminho. As direções "céu" ou "inferno" levam ao mesmo ponto final que é o paraíso. Só que numa direção você sorri, na outra, chora, e, dessa forma, você escolhe. 

Contudo, para que a "vida saudável" não fique no campo subjetivo, precisamos a trazer para o campo da prática. Esse é o segredo. Por isso que compartilho minha experiência de vida através desse blog, a fim de partilhar meu processo de descobrimento de uma outra alternativa para se viver com dicas práticas, úteis e simples. Do jeito que todo mundo pode fazer, com o intuito de descobrir sua própria harmonia. Pois somos, gente, o que comemos, bebemos e pensamos. E tem outra, assim como a nuvem explode gotas de chuva, como o vento passa por ai, como o mar abriga animais fantásticos, como a flor se abre e como o outono faz as folhas despencarem, é nossa vida e nossa corpo. Um processo riquíssimo que flui de dentro pra fora.  


Um lindo outono para todos nós,

Beijos da Jú

8 comentários:

  1. Incrível a tua história e auto determinação, Juuu! Num mundo cheio de complicações, o melhor caminho é se conectar consigo mesma, e ouvir os próprios anseios. Parabéns, te admiro por essa nova etapa, e continuo te seguindo aqui, de coração aberto, para aprender com a tua experiência. Gratidão por compartilhar tua história. Um abraço, Su :)

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  2. Júlia! nem te conheço pessoalmente, mas tu já me faz um bem danado. Teu e-mail e esse texto agora, tem me impulsionado a pensar no ritmo de vida doido que tô levando. Quero ganhar toda essa força também. Saúde e muita energia pra essa vida!

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  3. Meu Deus Julia me emocionei com sua historia! Você é uma guerreira!! Tbem to lutando contra essa compulsão que faz eu descontar minhas tristezas na comida, tbm oro muito pra ter força e mudar tudo isso. Parabénsssss

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  4. Muito legal Júlia... Estamos aí na força.
    Me inspirou muito na minha investida, que continua pelo ano de 2014 inteiro...

    Abração querida...

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